Por Jordana Bulla
De
alguns anos pra cá, criei um hábito todas as vezes que saio na rua: observar as
mulheres ao meu redor. Imagino suas histórias em minha cabeça. Sei que todas
elas, assim como eu, tem pelo menos uma história de terror para contar. Algumas
mais aterrorizantes que as outras, imagino, mas ao imaginar suas vivências,
também imagino a força dessas mulheres que não conheço. Quando são mais velhas,
as imagino ainda mais fortes – impossível não pensar no que as mulheres de uma
época mais distante, com ainda menos direitos, com ainda menos voz do que temos
hoje, passaram e não admirá-las.
Talvez
você que me lê pense: que exagero. Nem toda mulher já foi agredida. E eu te
respondo que sim, já foi sim. A violência de gênero não tem só uma maneira de
se manifestar. Ela não se resume só a agressão física e/ou sexual. Ela vem
desde aquele “fiu fiu” na rua, aparentemente inofensivo, mas que deixa claro
quem pensa que tem o direito de opinar sobre o corpo do outro (sem ser
solicitado). Ela se manifesta na escola, quando dizem a menina (em um dia
quente de verão) que seu short é uma “distração” para os colegas de sala e
professores, deixando claro que a educação dela é menos importante do que o
controle dos homens, e mais: deixando claro que a culpa é dela por se expor
(afinal, homem é tudo assim mesmo, não sabe se controlar).
Nós ensinamos nossas mulheres desde cedo.
Fecha essas pernas e senta que nem menina. Isso não pode. Isso não deve. Se
preserve. Se dê ao respeito. Nós as ensinamos que o respeito é um direito a ser
conquistado e ensinamos aos meninos que as mulheres tem que fazer por onde para
adquirirem esse direito. E a
socialização, meus queridos, nunca falha.
No
Brasil, atualmente, seis mulheres são estupradas a cada hora. Apenas 10% desses
estupros são notificados. A maioria dos agressores não é punida. Ainda somos um
país que culpa suas vítimas pela agressão. A culpa não é dos agressores: é da
saia curta, do batom vermelho, da mulher que bebeu demais, da mulher que
resolveu sair sozinha (imagine!) aquela hora da noite. Dentro de um casamento,
de um namoro, ainda somos um país que tem coragem de dizer as vítimas que não
foi estupro. Que era um direito do parceiro transar com ela. Como se ela fosse
um carro e como tal propriedade, o dono tivesse o direito inquestionável de
usá-la quando e como bem entender. Somos sim um país onde as mulheres são
mercadoria, moeda de troca. São meros objetos de prazer com a única finalidade
de satisfazer aos homens.
E
é nesse país, onde a educação de gênero é tão urgente e imprescindível para a
segurança de suas mulheres, que temos também um dos congressos mais
conservadores de que já se teve notícia. É o país da culpabilização da vítima
que tem como presidente da Câmara o homem chamado Eduardo Cunha, e é esse homem
que tem como proposta a lei que adicionaria mais um capítulo a essa história de
terror já tão conhecida de tantas mulheres. Essa lei, em resumo, dificulta o
atendimento de vítimas de estupro e as priva de direitos já conquistados (com
muita dificuldade, diga-se de passagem). Em um país onde só 10% dos casos de
estupro são reportados às autoridades responsáveis, esse congresso ainda quer
que essas vítimas de violência sejam submetidas à exames para comprovarem a
agressão. Quer tirar o direito dessas vítimas à pílula do dia seguinte e a
informações de serviços sanitários disponíveis.
Em
suma, estamos dizendo à essa vítima que não acreditamos nela. Estamos dizendo
que, caso ela consiga provar que realmente sofreu uma violência, não daremos a
ela o tratamento necessário, não daremos a ela um meio de evitar uma gravidez
indesejada de seu agressor e – caso essa gravidez aconteça – não daremos também
um meio seguro para que esta seja interrompida (o aborto é legal no Brasil em casos
de estupro). Essa é a mensagem que essa lei passa para as mulheres. A mesma
mensagem que nossa sociedade machista e misógina grita desde tempos de outrora.
Ela vem para deixar claro que a autonomia de nossos corpos não existe e que não
basta sermos violentadas uma vez, o Estado que deveria nos proteger, nos
violentará de novo. Toda mulher tem uma história de terror pra contar, e eu
continuo me perguntando, até quando?
*Jordana Bulla é a nossa nova colaboradora e esse é seu primeiro Post no Blog!