quarta-feira, 30 de setembro de 2015

Toda mulher tem uma história de terror para contar




                                                                                                              Por Jordana Bulla

           De alguns anos pra cá, criei um hábito todas as vezes que saio na rua: observar as mulheres ao meu redor. Imagino suas histórias em minha cabeça. Sei que todas elas, assim como eu, tem pelo menos uma história de terror para contar. Algumas mais aterrorizantes que as outras, imagino, mas ao imaginar suas vivências, também imagino a força dessas mulheres que não conheço. Quando são mais velhas, as imagino ainda mais fortes – impossível não pensar no que as mulheres de uma época mais distante, com ainda menos direitos, com ainda menos voz do que temos hoje, passaram e não admirá-las.
            Talvez você que me lê pense: que exagero. Nem toda mulher já foi agredida. E eu te respondo que sim, já foi sim. A violência de gênero não tem só uma maneira de se manifestar. Ela não se resume só a agressão física e/ou sexual. Ela vem desde aquele “fiu fiu” na rua, aparentemente inofensivo, mas que deixa claro quem pensa que tem o direito de opinar sobre o corpo do outro (sem ser solicitado). Ela se manifesta na escola, quando dizem a menina (em um dia quente de verão) que seu short é uma “distração” para os colegas de sala e professores, deixando claro que a educação dela é menos importante do que o controle dos homens, e mais: deixando claro que a culpa é dela por se expor (afinal, homem é tudo assim mesmo, não sabe se controlar).       
            Nós ensinamos nossas mulheres desde cedo. Fecha essas pernas e senta que nem menina. Isso não pode. Isso não deve. Se preserve. Se dê ao respeito. Nós as ensinamos que o respeito é um direito a ser conquistado e ensinamos aos meninos que as mulheres tem que fazer por onde para adquirirem esse direito. E a socialização, meus queridos, nunca falha.
            No Brasil, atualmente, seis mulheres são estupradas a cada hora. Apenas 10% desses estupros são notificados. A maioria dos agressores não é punida. Ainda somos um país que culpa suas vítimas pela agressão. A culpa não é dos agressores: é da saia curta, do batom vermelho, da mulher que bebeu demais, da mulher que resolveu sair sozinha (imagine!) aquela hora da noite. Dentro de um casamento, de um namoro, ainda somos um país que tem coragem de dizer as vítimas que não foi estupro. Que era um direito do parceiro transar com ela. Como se ela fosse um carro e como tal propriedade, o dono tivesse o direito inquestionável de usá-la quando e como bem entender. Somos sim um país onde as mulheres são mercadoria, moeda de troca. São meros objetos de prazer com a única finalidade de satisfazer aos homens.
            E é nesse país, onde a educação de gênero é tão urgente e imprescindível para a segurança de suas mulheres, que temos também um dos congressos mais conservadores de que já se teve notícia. É o país da culpabilização da vítima que tem como presidente da Câmara o homem chamado Eduardo Cunha, e é esse homem que tem como proposta a lei que adicionaria mais um capítulo a essa história de terror já tão conhecida de tantas mulheres. Essa lei, em resumo, dificulta o atendimento de vítimas de estupro e as priva de direitos já conquistados (com muita dificuldade, diga-se de passagem). Em um país onde só 10% dos casos de estupro são reportados às autoridades responsáveis, esse congresso ainda quer que essas vítimas de violência sejam submetidas à exames para comprovarem a agressão. Quer tirar o direito dessas vítimas à pílula do dia seguinte e a informações de serviços sanitários disponíveis.

            Em suma, estamos dizendo à essa vítima que não acreditamos nela. Estamos dizendo que, caso ela consiga provar que realmente sofreu uma violência, não daremos a ela o tratamento necessário, não daremos a ela um meio de evitar uma gravidez indesejada de seu agressor e – caso essa gravidez aconteça – não daremos também um meio seguro para que esta seja interrompida (o aborto é legal no Brasil em casos de estupro). Essa é a mensagem que essa lei passa para as mulheres. A mesma mensagem que nossa sociedade machista e misógina grita desde tempos de outrora. Ela vem para deixar claro que a autonomia de nossos corpos não existe e que não basta sermos violentadas uma vez, o Estado que deveria nos proteger, nos violentará de novo. Toda mulher tem uma história de terror pra contar, e eu continuo me perguntando, até quando?



*Jordana Bulla é a nossa nova colaboradora e esse é seu primeiro Post no Blog!

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